Ser criativo é uma qualidade que vem sendo
almejada desde muito tempo. Estudos cercam essa temática, pois, além do desejo
de ser criativo, existe, também, uma demanda persistente, pelo menos no mundo
ocidental, por pessoas que tenham essa habilidade.
O mundo regido pelo capitalismo precisa de
novidades para se sustentar: a novidade tende a ser atraente, gerando aumento nas vendas,
independente da real necessidade de consumo. Com
isso em mente, diversas organizações promovem palestras e cursos sobre processo
criativo, mas todo esse esforço, independentemente do propósito, corre o risco
de ser em vão, pois, socialmente, bloqueamos o ingrediente básico da
criatividade: a espontaneidade.
A criatividade é a manifestação espontânea da
fantasia aplicada de maneira prática. Sendo assim, nossa maior matéria prima
para criar são nossos conteúdos internos. Tudo o que estudamos, aprendemos,
ouvimos, vemos inspira-nos a manifestar a criatividade – são os catalisadores
de nossas produções. O aprendizado traz para nós novas referências e promove o
conflito com as nossas idéias anteriores, mobilizando-nos para a formulação de
novos pensamentos. Contudo, a expressão depende de autoconfiança, aceitação e
coragem. Quando temos isso, conseguimos ser espontâneos, abrindo espaço para a
criatividade.
O problema é que passamos a vida aprendendo
sobre como somos ridículos e incapazes, e, então, gastamos essa vida tentando
nunca ser considerados ridículos ou incapazes. O defensor da revolução na
educação, Ken Robinson, fala em suas palestras que “ao longo da vida, os indivíduos
vão se tornando mais conscientes e constrangidos e ficam com medo de cometer erros,
porque passam por situações em que dão respostas erradas, se sentem estúpidos e
não gostam deste sentimento”. Esse ciclo é o grande responsável pela
dificuldade em manifestarmos, naturalmente, nossa criatividade.
As crianças são geralmente mais criativas que
os adultos; não se tornaram ainda tão constrangidas em relação a elas mesmas, o
que lhes permite uma imaginação muito rica. Um exemplo disso é uma história
que escutei, linda, inocente e engraçadinha, que mostra como o imaginário
infantil pode criar um mundo.
Um menino morava ao lado de uma menina. Eles
brincavam todos os dias no espaço enorme que tinham na rua – não faz sentido
ficar dentro de casa quando se tem o mundo do lado de fora. Brincavam até... Bom,
provavelmente até serem chamados para dentro de casa de novo, um pouco tristes
por não poderem ficar só mais um pouquinho – afinal, energia de criança nunca
acaba.
Como bons amigos, eram muito parecidos em
várias coisas: pelo estado como a menininha voltava para casa, eles
dividiam uma paixão pelo perigo e pela sujeira. Como em toda amizade
interessante, eles eram, também, diferentes em milhões de outras coisas, mas
havia uma que era muito, muito, impressionante.
Um dia, em meio a montes de areia, arranhões no
joelho, rasgos nas roupas e pulos de lugares relativamente altos, a menininha
contou a seu amigo que era espírita. Ele ficou em choque, mas não deixou isso transparecer
um só segundo. E, por muito tempo, todas as vezes em que a porta de sua amiga
se fechava depois de uma despedida, ele não conseguia evitar: ficava parado
ali... olhando... curioso...
Apenas anos depois, a menina descobriu o que
sua inocente informação havia provocado na mente incrível do menino. Eles se
reencontraram e sorriram pelos velhos tempos. O mais divertido foi quando ele
contou que, durante todo aquele tempo de infância, seu maior desejo era ver o
que tinha atrás da porta da casa de sua querida amiga mágica. Sim, mágica.
Afinal, o que era ser espírita? Na imaginação
do menininho, o significado disso era bem diferente do real, e muito mais
fantástico, pois quando as portas da menininha se fechavam, ele tinha certeza
de que ela e toda a sua família não fingiam mais ser normais... Eles todos
ficavam voando pela casa!
Bom, escutando essa
história, fiquei pensando como seria maravilhoso voltar à criatividade de
nossas infâncias. Mas, como isso não é possível, o que podemos fazer pela nossa
capacidade criativa é, antes de qualquer coisa, trabalhar nossas inseguranças,
livrando nosso pensamento de um crescimento engessado por julgamentos e
constrangimentos. Assim, conseguiremos ser espontâneos, manifestando nosso
universo interno, sem deixar que as críticas nos despedacem, sendo possível,
finalmente, direcionar nosso rico universo interno para uma produção criativa.